28 abril 2012

JÁ ESCONDI UM AMOR COM MEDO DE PERDÊ-LO [...]



Já escondi um AMOR com medo de perdê-lo, já perdi um AMOR por escondê-lo. 
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos. 
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso. 
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade... Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamãe no meio da noite fugindo de um pesadelo. Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.
Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra SEMPRE! 
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos. 
Você pode até me empurrar de um penhasco q eu vou dizer: 
- E daí? EU ADORO VOAR!

Clarice Lispector
[em: O Pensador]






27 abril 2012

SÃO HERANÇA CAMPONESA, AS MÃOS.



São herança camponesa, as mãos.
Estas pequenas mãos, de geração
em geração, vêm de muito longe:
amassaram a cal, abriram sulcos
frementes na terra negra, semearam
e colheram, ordenharam cabras,
pegaram em forquilhas para limpar
currais: de sol a sol nenhum
trabalho lhes foi alheio.
Agora são assim: frágeis, delicadas,
nascidas para dar corpo a sons
que, noutras épocas, outras mãos
se obstinaram em escrever como
se escrevessem a própria vida.
Ao vê-las, ninguém diria que
a terra corria no seu sangue.
São mãos envelhecidas, mas no teclado
são capazes do inacreditável: juntar
nos mesmos compassos o rumor
dos bosques em setembro e os risos
infantis a caminho do mar.

Eugénio de Andrade







25 abril 2012

A IRRACIONALIDADE DAS COISAS


às vezes é assim… esperamos toda a noite pelas gotas de sol que nos 
molhem os olhos incapazes de fechar. depois adormecemos 
lentamente, aguardando que ela, a noite, nos venha com o escuro, 
acordar. sono irracional. aconchegado pelo calor do sol e pela 
ausência do negro, quando a irracionalidade das coisas toma conta de 
nós. brinca com o mais ínfimo neurónio do nosso ser e conta-nos as 
coisas indescritíveis da vida. aquelas em que por tão irracionais que 
são, aparecem somente desenhadas no surrealismo de telas de 
museu ou nas paredes do manicómio, cuspidas por delírios de loucos 
que se julgam Deus. 

a irracionalidade das coisas é bela… 
não sei de repararam nas conversas das borboletas ao luar… 

a irracionalidade das coisas é tão bela… 
não sei se repararam nos sorrisos das crianças, a chorar… 

a irracionalidade das coisas é estupidamente bela… 
não sei se repararam que o amor se esconde nos bolos de chocolate 
e de canela… 

a irracionalidade das coisas é irracionalmente bela… 
não sei se repararam nos números irrequietos que deslizam 
nas diagonais dos quadrados… 
que irracionalidade, que loucura! escorregam em brincadeiras 
perigosas, deixando um rasto de casas decimais infinitas. usam raízes 
quadradas… como se as raízes pudessem ser quadradas… como se 
fosse possível as árvores terem assim as raízes. quadradas, enterradas 
numa irracional terra cúbica rodando em torno de um irracional 
paralelepípedo brilhante, o sol. estes números são completamente 
insanos. estes números são completamente irracionais. de uma 
irracionalidade tal que me deixa numa delirante escrita matemática à 
procura de Fídias, Fibonacci, da razão sagrada, do número de Deus, 
do divino número de ouro que me permita ficar para sempre do lado 
desta irracionalidade bela das coisas… 

Nuno Guimarães 


(http://www.clube.spm.pt/arquivo/1126/)




18 abril 2012

REDENÇÃO


Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n'um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento...

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha...
Almas irmãs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares...

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D'esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares...

Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão...
E acabará por fim vosso tormento.

Antero de Quental 





15 abril 2012

ÀS VEZES AS COISAS DENTRO DE NÓS


O que nos chama para dentro de nós mesmos 
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta. 
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar 
e nos torna piedosos, como quem já tem fé. 
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida 
pelo movimento, pela forma, pelo nome, 
voltamos ao zero irradiante, ao ver 
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás 
o que não tem tamanho, mas está agora 
engrandecido dentro do novo olhar.

Fiama Hasse Pais Brandão



12 abril 2012

CIÚME DE POETA?


Tenho acordado,
ultimamente,
com os aromas das flores de Abril enevoados,
a agonizar por entre as moitas do desânimo
e o gosto acre da chuva
derramada pelo temporal da tua ausência.

Abro a janela e vejo o horizonte
a ser puxado para baixo
a cada minuto que passa sem te ouvir
e o grasnado das gaivotas diz-me
que ninguém sabe de ti.

Roubo as asas de uma gaivota e vejo-me,
ofegante,
um trovador à procura do castelo da princesa,
alarmado e volátil como o espírito,
sem palavras de tormenta ou de bonança.

Do alto, vejo-te a sorrir num areal imenso,
beijando o mar a rugir de sofrimento e afastando
o arrepio dos ventos,
indiferente ao meu ciúme tresloucado
[ciúme de poeta?].

Exausto, tento abrigar-me da borrasca,
esmago,
apago,
restauro e
dilato
este sofrer de amar-te porque sim,
este enlevo de algemas
que de mim se faz teu prisioneiro
num jardim pejado de asas diárias de gaivota.

Moribundo,
a respirar páscoas de flores ausentes,
mergulho em calafrios de pétalas insípidas
à espera do encanto do teu cheiro.







07 abril 2012

O ABANDONO. O VAZIO. A INDIFERENÇA. (...)




(...) Tudo está feito, o que tinhas a dizer já o disseste, os que dialogavam contigo para estarem de acordo ou te insultarem foram recolhendo ao silêncio definitivo. É a hora de te ires calando também, recolheres à aposentação de falares e de ouvires. Porque nenhuma palavra é já para ti e assim nenhuma tua é para os outros. Mas a tua língua move-se ainda, entre ela e a palavra, mesmo que seja só um nome, há uma ligação que nada pode cortar. Fala para dentro. Chama para dentro. E poderás circular entre os homens sem que te metam num manicómio

de: Vergílio Ferreira


Lentamente, silencioso, fui-me colando todo a mim mesmo, até ao mais intimo de mim.
Incha-me o crânio, devagar, um vapor quente e sanguíneo.
Para um centro imprevisível, em giros rápidos de aço, 
uma fina teia radia-me das unhas, 
das mãos e dos pés.
Voga agora, na água límpida da memória, 
uma imagem branca e dormente.
Depois esvai-se.
Depois regressa.
Depois desaparece definitivamente, mas deixa, 
ó Deus, deixa uma presença vivíssima,
vivíssima,
vivíssima,
Como a chaga que nos fica de um ferro em brasa.
bruscamente, porém, tudo em mim rebrilha incandescente.
Uma estrídula gritaria levanta-se-me no cérebro, 
um guincho agudo fura-me a cabeça de um ouvido ao outro, 
e um murro surdo, absoluto, abate-me finalmente.
Dobro-me sobre mim, rendido, e ali me deixo ficar, 
longamente esquecido da vida, de tudo...

QUE ACONTECEU?!...
(...)

de: Vergílio Ferreira




06 abril 2012

ALMA A SANGRAR



Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?

Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?

Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Teresa em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?

Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar?!...

Florbela Espanca
Charneca em Flor




05 abril 2012

ESTRELAS PARTIDAS

 

Vou esperar as estrelas partidas
ver como se te apagam nos dedos
ver da luz se chega se está bem
e depois então és tu

É que agora que largas a voar
e vais ver diferente de todos nós
eu posso sabes se calhar esquecer

Mas dás asas com tanta força tu
os dedos são tão longos e escuros
passando nos meios a sobra

As estrelas partidas arranjadas no ar
ver horizontal e extremadamente
tudo assim disposto e memorável

Hugo Milhanas Machado


 
 


04 abril 2012

O TEMPO PERTENCE ÀS COISAS QUE OCUPAM O NOSSO CORAÇÃO [...]


[...]
Também as palavras e o silêncio
as palavras que alguém adormece na sua incompreensão
o silêncio atiçado pelo tempo
esse ferimento que rasteja numa voz profunda
a perturbação de um vazio
a ocupar um pensamento intenso

 Fernando Esteves Pinto