CASABLANCA
Não era um bar de Kashbah, mas um café
em Leça da Palmeira (pequena vila ao norte
do país), a tua voz aqui me leva lá
O resto: é só mudar na gente aqui
a roupa ocidental para barba e burel,
vislumbrando punhal entre mil panos
O resto: é só virar a cor do espectro
para branco e cinzento - já agora
em lugar daquela mesa, organizar piano (em contraponto)
O resto: é só subir a temperatura
uns vinte graus (ou mais) disfarçar a ternura
como, há cinquenta anos, esses dois
O resto: é inventar em Leça da Palmeira,
no meio de nevoeiro tão imenso,
um olhar tenso a disfarçar-se brando
(um poço de desejo, e ventoinha em avião de espanto)
Nas mesas do café de Leça da Palmeira:
Casablanca voando, e à medida que o tempo
se desfaz imenso: um saxofone brando,
deixar junto do verso a promessa do nada
que não houve, mas se senta ao piano
repete, como em sonho, a mesma melodia
- traduzida em inglês: toca outra vez e outra,
que nem Kashbah aqui, mas bem podia
ser a tua voz (num registo final)
AnaLuísaAmaral