às vezes o mundo explode e insinua‐lhe o seu enigma. revela pistas e mostra as peças que o compõem, ou parte delas. nem o mundo foi o crime perfeito. tenta encaixar as peças, mas elas faltam‐lhe sempre. as que não faltam descansam sobre as placas flutuantes que suportam tudo o que é do mundo e dos homens. ondulando, cada peça é uma forma instável – ora redonda, ora obtusa – que vai regurgitando significados diferentes. e os seus olhos são servos enfeitiçados que lhes adivinham a secreta participação na ilusão que vela o sentido do mundo: umas vezes, esforçam‐se por captar o que fica da transfiguração das coisas e da sua aparição intermitente, outras, cerram‐se como punhos agastados para sossegar um estômago às voltas. o sentido é um sol quebrado.
por vezes, quando os seus olhos abertos se perdem, há aqueles instantes plenos em que tudo se alinha perfeitamente, os momentos geométricos em que tudo se equilibra no fio de trapézio de uma palavra ou de um dia de chuva. e ela equilibra‐se também sobre um chão que plana despido de gravidade. então é um corpo que roda sobre si mesmo com o mundo suspenso na ponta dos pés.
Helena Carvalho. in, a sul de nenhum norte n.º 6, p. 55
[no blog de Manuel Margarido]