23 maio 2015

SOBRE O CONCERTO EM D MAIOR [R. 93] DE ANTÓNIO VIVALDI





"Os meus dias passaram", escreveu Job no livro
que a terra encheu de seca melancolia, para que os barrocos glosassem
o seu conteúdo. No entanto, é em Horácio, e nessa breve felicidade
que envolve as coisas do campo, quando as nuvens dão lugar
dão lugar a Febo, que encontro o compasso do coração que bate nestes
versos, com o seu ritmo suave, que ouço quando encosto o ouvido
ao peito do poema. Pudesse eu ficar assim, para sempre, nessa maré que
sobe sob os meus braços onde o teu corpo repousa, como
a gaivota imóvel no céu do amor; depois, colhendo as palavras
que florescem nos teus lábios, entrar no oceano familiar
de um horizonte apenas murmurando. "Que destino nos prometeu
um ao outro, neste horóscopo que nenhum astro mancha?" Isto é,
porque haveria uma constelação de interferir na esfera terrestre,
quando o seu lugar é num céu que os olhos não atingem? São
esses os signos que me falam, por entre as pedras antigas,
os muros arruinados, os bairros cegos de um subúrbio em que nos
perdemos, até me devolveres ao teu riso
que dissipa as sombras e ilumina as margens
do rio que corre entre nós. Assim, esta luz demora-se,
enquanto os meus dias passam, e a terra fértil da estrofe se deixa
embeber pelos doces líquidos de uma erosão de corpos. Cubro 
as suas pálpebras com a neblina do desejo; e deixo-me guiar pelos lábios
que procuram a saída do ocaso, até anunciarem essa eclosão
de madrugada em que um brilho branco irrompe do espelho,
para se derramar pelo lençol da página, de onde os meus dedos o colhem,
como a primeira flor deste dia; e entrego-a a ti,
a amada adormecida, para que a guardes
no secreto jardim do teu sonho.

de: Nuno Júdice



06 maio 2015

MÃOS DADAS






um dia me falaste,
e as árvores morriam galho a galho seco.
havia flores, recordo.
havia ruas,
aí também recordo.
e escadas
vazias.
não me falaste, não.
fui eu quem perguntou,
beijando-te tremente, quantos anos tinhas,
e o teu nome.
não tinhas nome; ou tinhas, mas não teu.
e a tua idade, as tuas mãos nas minhas

de: Jorge de Sena