ele guiava com mãos cegas
a personagem que lhe tinham confiado
e sua voz ia apresentando
mais que o resto distante do seu corpo,
seguindo a pauta,
- luz que era sua única via,
tão essencial como escassa, escura.
mas o que ele cantava era o extravio,
ser aí um estranho,
estar num palco a enfrentar
quem imóvel o perseguia nas trevas
desde quando inseguro principiara,
já não lhe importava quando nem porquê.
a máscara do seu canto iluminava
o rosto em que fora assumindo
uma loucura oculta:
rostos de muitos, ignorados,
um após outro, usurparam o seu,
que ele reconhecia no silêncio, sozinho.
pródigo, dissipara-se neles,
desfigurado pela ilusão
de holofotes, cartazes, claques dúbias,
- poeira de um campo cujo termo
era longe, não sabia em que longe,
onde acaso ele se encontrasse
num outro, em muitos, em ninguém.
e na sua frente a orquestra sufocante
de ondas secas, sem praia, a persegui-lo.