27 abril 2014

HISTÓRIA IMPROVAVEL





Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e eu disser
Serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como um linho
Interminável será sem um defeito
Cheio de imagens e conhecimento.

in: No Tempo Dividido


Sophia de Mello Breyner Andreson




23 abril 2014

EXÍLIO





QUANDO A PÁTRIA QUE TEMOS NÃO A TEMOS 
PERDIDA POR SILÊNCIO E POR RENÚNCIA 
ATÉ A VOZ DO MAR SE TORNA EXÍLIO 
E A LUZ QUE NOS RODEIA É COMO GRADES

de: Sophia de Mello Breyner Andresen






18 abril 2014

PÁSCOA FELIZ



imagem do google

foi um dia, e outro dia, e outro ainda.
só isso: o céu azul, a sombra lisa,
o livro aberto.
e algumas palavras. poucas,
ditas como por acaso.

eram contudo palavras de amor.
não propriamente ditas,
antes adivinhadas. ou pressentidas.
como folhas verdes de passagem.
um verde, digamos, brilhante,
de laranjeiras.
foi como se de repente chovesse:
as folhas, quero dizer, as palavras
brilharam. não que fossem ditas,
mas eram de amor, embora só adivinhadas.
por isso brilhavam. como folhas
molhadas.

de: Eugénio de Andrade, em
"Os sulcos da Sede"




10 abril 2014

CANÇÃO DA MULHER QUE ESCREVE



rafal olbinski


Não perguntem pelo meu poema:
Nada sei do coração do pássaro
Que a música inflama.

Não queiram entender minhas palavras:
Não me dissequem, não segurem entre vidros
Essas canções, essas asas, essa névoa.

Não queiram me prender como a um insecto
No alfinete da interpretação:
Se não podem amar o meu poema, deixem
Que seja somente um poema.

(Nem eu ouso ergue-lo entre meus dedos e perturbar a sua liberdade). 

De: Lya Luft