27 abril 2012

SÃO HERANÇA CAMPONESA, AS MÃOS.



São herança camponesa, as mãos.
Estas pequenas mãos, de geração
em geração, vêm de muito longe:
amassaram a cal, abriram sulcos
frementes na terra negra, semearam
e colheram, ordenharam cabras,
pegaram em forquilhas para limpar
currais: de sol a sol nenhum
trabalho lhes foi alheio.
Agora são assim: frágeis, delicadas,
nascidas para dar corpo a sons
que, noutras épocas, outras mãos
se obstinaram em escrever como
se escrevessem a própria vida.
Ao vê-las, ninguém diria que
a terra corria no seu sangue.
São mãos envelhecidas, mas no teclado
são capazes do inacreditável: juntar
nos mesmos compassos o rumor
dos bosques em setembro e os risos
infantis a caminho do mar.

Eugénio de Andrade







4 comentários:

  1. as mãos podem se ir resguardando com o tempo mas nunca esquecem o esforço que as calejou de uma experiência eternizada de vida e dor dando inspiração a outras mãos prontas para as sucederem.

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    1. as mãos são o elemento mais importante do nosso corpo/alma...
      são um filtro de todos os sentimentos.
      substituem as palavras com a maior sabedoria.
      num simples cumprimento de mão, tu sentes naquele aperto a força, a personalidade de quem te cumprimenta.
      depois há a química, e de um toque indelével de mãos podes sair com as pernas a tremer e borboletas a voar do esófago até às tripas....
      ah..., as mãos têm tanto que se lhe diga!

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  2. quando as mãos são verbo dum poema a germinar...

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