20 novembro 2012

REGRESSO À CAVERNA DE PLATÃO



no conflito entre o poeta e o filósofo,
ensina Platão que não se deve fixar o sol
porque, depois de o fazer, ofuscados
pelo brilho intenso, não nos habituamos
aos objectos comins, e assim nos perdemos
das coisas reais, após a revelação
da verdade celeste.

ée então que o homem, ainda com o peso
da luz no espírito, tacteia em roda, procurando
a saída, e encontrando apenas as sombras,
que o empurram de um para outro lado,
como um simples boneco, fechando-o
para o mundo inteligivel, de que sente
a nostalgia e o desejo.

por um lado, o filósofo compreende
esta situação, e desenvolve um raciocínio
cujo enncadeado dialéctico o conduz a uma
alegoria: prisioneiro expulso da luz
pelo excesso de luz, o homem sente mais
profundamente a sua miséria, agora que
descobriu a obscuridade e os limites
do mundo, na gruta que o prende. é aqui,
no entanto, que o poeta perturba
a lógica do pensamento.

com efeito, o poema corresponde à luz
do sol, com a sua plena revelação do absoluto,
sem provocar a cegueira. Pelo contrário,
é nele que nos movemos à vontade, sem precisarmos
de saír do mundo para deescobrir a sua evidência,
por outro lado, as suas imagens são um reflexo luminoso
de tudo o que, na realidade, nos parece incompleto
e sombrio. «então», diz o poeta,
«para quê fixar o sol, se as minhas palavras
reproduzem a sua luz?»

«por isso», responde o filósofo, «não tens lugar
na minha república. não convém dar a vista
aos cegos, quando a minha função é guiá-los,
nem dizer-lhes que o sol está ao alcance da mão,
quando é através de mim que o devem
atingir.»

por vezes, o conflito de interesses
sobrepõe-se à razão; e, no erro do filósofo,
a sombra do mundo do mundo impede que a luz da verdade
se imponha no espírito, fazendo com que
a falsa dialéctica se desenvolva até ao fim
mais absurdo.

Nuno Júdice
«Geometria Variável»



12 comentários:

  1. neste debate de razões, prefiro a filosofia do poeta... o Sol, o seu brilho, os seus raios, a luz... a cada palavra minha...!!

    bj...nho

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    1. pois...., confesso que também prefiro o dizer do poeta, é mais espontâneo, diz como sente, o filósofo diz como pensa, generaliza..., dita regras

      beijinho, Sérgio
      até logo

      [estou em falta, desculpa]

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  2. Tenho este livro! Agora fiquei cheia de vontade de o reler! :)

    Beijo

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    1. desde os primeiros contactos com a poesia de Nuno Jùdice que me identifico imenso
      com a sua poesia. "Geometria Variável" foi o primeiro livro que comprei dele

      estou em falta contigo, mais logo te visito.

      beijo.

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  3. Estive uns dias ausente e agora vim fazer serão aqui...até porque gosto de Júdice. Tive dificuldades com o som do vídeo! talvez o defeito seja do meu portátil.
    Bjs

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    1. :))... já tinha dado pela tua falta. é, por vezes há qualquer coisa que falha, não sei o que é, talvez mais alguém que estivesse a ouvir, mas como era assim um tanto tristinho troquei por outro, pronto :)

      beijo, até logo.


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  4. Minha querida

    Hoje passando apenas para te deixar um beijinho com carinho.

    Sonhadora

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  5. Este sim, ouve-se muito bem...
    Beijinhos

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