28 abril 2015

ELE GUIAVA COM MÃOS CEGAS...




ele guiava com mãos cegas
a personagem que lhe tinham confiado
e sua voz ia apresentando
mais que o resto distante do seu corpo,
seguindo a pauta,
       - luz que era sua única via,
tão essencial como escassa, escura.

mas o que ele cantava era o extravio,
ser aí um estranho,
estar num palco a enfrentar
quem imóvel o perseguia nas trevas
desde quando inseguro principiara,
já não lhe importava quando nem porquê.

a máscara do seu canto iluminava
o rosto em que fora assumindo
uma loucura oculta:
rostos de muitos, ignorados,
um após outro, usurparam o seu,
que ele reconhecia no silêncio, sozinho.

pródigo, dissipara-se neles,
desfigurado pela ilusão
de holofotes, cartazes, claques dúbias,
        - poeira de um campo cujo termo
era longe, não sabia em que longe,
onde acaso ele se encontrasse
num outro, em muitos, em ninguém.

                                      e na sua frente a orquestra sufocante
                                      de ondas secas, sem praia, a persegui-lo.


de: José Bento
em: RESUMO [a poesia em 2011]




4 comentários:

  1. Boa noite, querida Brisa!

    Belo poema muito bem acompanhado por Maksim, um pianista que aprecio imenso.

    Bem haja pela partilha.

    Beijinho amigo.

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  2. Lindo de viver tudo por aqui!! Quanto bom gosto nas seleções poéticas e musicais..amei!! abraços meus

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  3. Lindo piano para acompanhar esta solidão da loucura.

    bj amg

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